Na sua passagem por Brasília, essa semana, para proferir palestra no Encontro dos Fóruns Estaduais de Música, o jornalista Luís Nassif concedeu pequena entrevista sobre as Câmaras Setoriais.
O jornalista Luís Nassif, que participou de uma mesa redonda no Encontro Nacional de Fóruns Estaduais ocorrida em Brasília, nos últimos dias 11, 12 e 13 de abril,concedeu pequena entrevista sobre as Câmaras Setoriais.
CS-Como vê a iniciativa do governo de criar câmaras setoriais da Cultura, uma experiência inédita no setor?
LN-O Brasil descobriu o conceito de cadeia produtiva em outros setores, há muito pouco tempo, na década de 90 - e tudo isso é fruto do grande fator de transformação do Brasil moderno, que é a democratização. Nós tínhamos, até o final dos anos 80, como resquício da ditadura, não apenas aquele medo de emitir opinião, como um isolamento em que ninguém falava com ninguém. E havia aquela linha de confronto em toda a cadeia produtiva, linha de confronto entre o trabalhador e a empresa, entre fornecedor e comprador, etc. Com a democratização, o Brasil foi amadurecendo, e o Collor acelerou esse processo com as câmaras setoriais na indústria automobilística, onde se descobriu que se o setor vai mal, tudo vai mal. Então não adianta brigar com o setor. Temos que nos sentar e saber o que é melhor para ele. Houve esse avanço.No caso da Cultura, especialmente na música, uma área em que iniciativas conjuntas nunca deram certo, acho que o momento está maduro para que isso ocorra, os músicos estão com muito mais clareza para entender a importância da cadeia produtiva, e esse é um grande desafio, com o risco de ser bem sucedido, e o risco de ser mal sucedido.
CS: E quais seriam esses riscos?LN: O risco de ser mal sucedido é a Câmara se meter em miudezas ou haver uma visão dos membros da Câmara, de vê-la como instrumento para conseguir benesses do Estado. Esse é o risco.A vantagem é a Câmara conseguir articular todos os setores, em favor de uma política pública, entendida como a criação de um ambiente favorável para a inclusão da música brasileira não apenas no mercado interno, mas no mercado internacional.
CS: Tenho visto segmentos da Música apreensivos e achando que, se houver ¨muita democratização¨, Rio e São Paulo, estados de maior produção, perderão espaço. Você acha que o Brasil, realmente, amadureceu a ponto de saber funcionar em câmaras setoriais?
LN: Achar que se vai perder espaço para o estado A, B ou C, é uma visão anacrônica. O correto é criar condições econômicas para que cada grupo de vire. Obviamente, os grupos das capitais vão ter muito mais vantagem. Têm um mercado consumidor muito mais próximo do que os criadores do interior. Mas o fato de achar que um CS vai beneficiar esse ou aquele, é errado. O ideal é a Câmara Setorial criar um ambiente em que aqueles com mais iniciativa, mais criatividade, mais visão de mercado, consiga crescer.
CS: Você vê algum perigo de se formarem castas e não se discutir o que é, realmente, consensual na categoria?
LN: Vou dar o exemplo do Conselho Nacional de Música, criado pelo Ministro Weffort, que durou uma reunião, apenas. O grupo que estava lá achou logo que ia controlar verbas culturais, que ia dar benefícios para A ou B, e acabou. Se a Câmara Setorial entrar nessa , independente da sua composição, se ela é paritária ou se os estados menores vão ter o mesmo peso que os maiores , tem que criar um ambiente que não seja um distribuidor de favores. Se qualquer visão clientelista imperar, a câmara está liquidada. Qualquer tentativa que possa parecer a criação de privilégios, acaba com ela.
O embate não se dá no âmbito da Câmara, mas fora dela. O que se tem tentar é que esses grupos que são mais ativos, mais atirados, consigam ter espaço para crescer.
CS- Você acha que deveriam ser criadas, também, câmaras regionais, estaduais e municipais?LN: Não, não acho. É muita reunião. Eu acho que nesse sentido, o ideal seria colher todas as opiniões e o governo apresentar um projeto com o que de melhor apareceu, senão, vai dispersar muito.
CS: O Estado brasileiro está preparado para funcionar com as câmaras setoriais?
LN: Depende dos objetivos. Se for criar um ambiente econômico favorável, é uma coisa. Nesse caso, você vai fazer um trabalho técnico, para ver quais são os principais obstáculos à música brasileira, quais as barreiras de entrada e vai procurar trabalhar de forma integrada. Eu acho que o Estado brasileiro, nos últimos anos, aprendeu com essas câmaras em torno e um objetivo específico, que existem em diversos ministérios, ele está aprendendo, gradativamente, em regime interdisciplinar. Agora, o paritário, é complicado, porque o pessoal que representa a sociedade civil, não tem mandato para tal. Então, eles são relevantes para trazer informações, idéias, levantar dados, mas é função do governo definir políticas. Isso ainda tem que ser feito pelo Estado. O governo tem que definir essas políticas ouvindo todos os lados. Se o governo ouvir mal, se fizer um trabalho insuficiente, vai ser torpedeado. É inerente ao sucesso desse projeto, que o governo saiba ouvir e saiba sintetizar com competência o que ouviu. Mas a deliberação tem que ser dele.
publicado por Marcia de Almeida